Palavras ao vento

Aqui é o lugar para escrever os delírios e as delícias do ser. Minhas palavras, nossas, suas, de quem quiser. Uma vez ditas jamais serão apagadas, ficarão ao vento, no tempo, enquanto houver. Se quiser é só mandar weklermn@hotmail.com

:) “Frutítese”

- Adamatía!
Foi o que ela ouviu, seguido de um sorriso estarrecedor de tanta sinceridade, mas daqueles que pouquíssimo já se viu nesse mundo desde que inventaram a maçã, a bermuda e a vergonha. Pela maneira como agora ela olhava desolada para o chão, de certo que pensava alguma coisa bem interessante, porém de fundo melancólico, sobre a existência e as nuances da existência humana. Um olhar daqueles só pode ser isso. Tudo porque ela percebeu a intensa relação antitética que existe entre cada hora da vida, como bem sabe quem já leu Marx com suas teses, antíteses e sínteses, que logo possuíam antíteses, num movimento giratório circular sem fim - com pleonasmo mesmo! - e que acontece sempre e que ninguém percebe.
Que o homem – em seu machismo gramático-cultural mesmo! - muda a cada minuto, cria ilusões, deixa as inocências, cria suas próprias malícias. E aí o médico vai tendo outras funções, a barbie não é mais boneca e banana pode ser tudo, menos fruta. Exatamente nessas mudanças começam as maldades, nascem os monstros e é onde se cria a vergonha, porque a maçã, a cobra e Eva são só coadjuvantes escatológicos. Eu pelo menos nunca ouvi sobre alteração psicológica acontecer só porque alguém comeu maçã. Aliás, a maçã é uma coisa engraçada, ela não é fruto, é pseudofruto, e você sabe na prática o que ela é? Acho que é pseudofruto mesmo. E a história já começa na antítese do pseudofruto proibido: se “uma maçã ao dia, a ida ao médico adia”, como pode ter causado tanto mal na humanidade? Com certeza foi por aí que Elvira começou suas digressões.
O bebê vira criança, que vai à pré-adolescência, e depois vira adolescente, para mais tarde ser jovem, adulto, idoso e, como essa expectativa de vida que tanto aumenta, o super-idoso ou relíquia-mór. Lembrando que tudo começa com o espermatozóide, que ainda vem depois da intenção, que nasce de uma mente maliciosa o bastante pra pensar em ter filhos, mas que também já foi a semente do amor. Difícil né, dona Elvira? E antes que seja tarde, perdão por invadir assim seus pensamentos. É que eu sou assim mesmo, curioso.
E no meio de tudo isso, tantas decisões. E se ela tivesse escolhido a taioba no lugar o arroz, ou sapato ao invés de tênis ou mergulhar na praia de roupa? Talvez Elvira não estivesse ali ouvindo aquele aterrorizante “Adamtía!”, talvez não estivesse nem ali, nem por aí. Quem sabe até ela entendesse aquilo, sorrisse e simplesmente continuasse seu caminho, mas aquele sorriso... Constrangia, e aquele olhar brilhante também incomodava porque além de todo mundo pensar um monte de coisa, ninguém mais se olha muito. Olhar incomoda, arde, desnuda, é apelativo e apelatório. Êpa! Ela já está virando a cabeça, acho que entendeu alguma coisa. Pensar de mais às vezes faz mal, só olhar já é o bastante – contraditório assim mesmo! - mas é difícil ver.
- Adamatía, Adamatía, por favor! - ouviu a insistência.
Ela rodou e outros três sorrisos se abriram. Gritos e felicidade giravam naquela roda enferrujada do parque da cidade. Era tudo simples, eles só queria se divertir, e faziam isso girando, como acontece conosco a todo momento nessa vida. Aquele “Roda mais, tia!” falado naquela linguagem simples carregada da inocência que só a criança pode ter complica a cabeça de todo mundo. Os sorrisos já lhe bastavam, sabia que já estava perdida mesmo, mas a salvação sempre esteve por aí, vamos ver no que dá.
A tradução exige tempo de raciocínio e quando a gente entende ainda faz tudo errado, e estraga tudo. Mas só pra gente como a gente, por que a Elvira rodou errado, mas eles não estão nem aí, só querem saber de assustar a gente quando param no elevador e ficam nos fitando com aqueles olhos, aqueles olhos... E viva a maçã!

Jorge Pedrosa
http://www.adegadeletras.blogspot.com/

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