quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Tempo

A porta se abriu e eu não pude deixar de ver e registrar um belo momento. Em meio a antiguidade de um pequeno coreto com sua porta trancada, em um convento, um velho relógio descansava as horas. Sentado em um estiloso banco de madeira escura com adornos de metal de pés curvados, observava o tempo. Lá ele ficou por muitos esquecido e isolado do mundo. Uma cena um tanto comovente.
Me aproximei e o cumprimentei. Ele desacostumado as pessoas me olhou de cima a baixo e foi elegante comigo. Também me cumprimentou de olhos fechados, virou-se lentamente para frente, a moda antiga, retribuindo meu cumprimento. Conversamos um pouco. Para minha surpresa ele está bem lúcido. Me contou que lá do alto onde as horas não passam, ele podia ouvir cantos de louvores aos céus e alguns santos o observavam, a musica invadia todo o espaço e nessa hora se sentia seguro, era como estar no céu e de certa forma se sentia lá. Para um relógio que passou a vida inteira marcando as horas, estar onde estou é um privilégio, no céu!
Já não tenho nenhum compromisso com as horas, marco a hora que quero e paro quando quero porque isso já não faz a menor diferença. Eu agora não tenho hora para mais ninguém. Me dou o luxo de acordar as dez para cinco só para observar os últimos raios do sol que entram por aquela janela e ilumina meu canto. Sorriu por um breve momento antes de começar a recordar e falar da plenitude de seus dias, quando tantas pessoas, por vezes, paravam para me olhar e ele pontualmente marcava as horas. Uma ou outra pessoa olhava para ele e depois olhavam para o pulso para se certificarem que seus relógios estavam na hora certa. Era muita responsabilidade. Eu convicto de marcar a hora certa, brilhava lá no alto pendurado na parede. Mas isso foi a muitos anos atrás eu já não tenho mais tanto tempo para lembranças. Fiquei em paz parado no tempo em meu pequeno mundo. Envelheci como as paredes, as portas, o assoalho e esses bancos rabugentos que volta e meia começam a ranger e reclamar de dores ali e aqui. Porém, eles sempre estão de nariz em pé, se orgulham de serem tratados como relíquias e de terem sidos construídos do mais nobre jacarandá. Só isso quebra o silêncio da nossa clausura, mas não é uma rotina, só e às vezes de cem em cem anos. Emocionado agradeci a breve estada e ele retribuiu pendendo a cabeça para frente. Me retirei em silêncio e ele voltou para seu esquecido mundo e eu nunca mais pude esquecê-lo.
Texto de: Wekler Marcos Morra
V.V. 07.04.2010

Um comentário:

  1. Que lindo!!! Suas palavras foram perfeitas para uma imagem tão sublime...e tão esquecida. Foto incrível!! Muita sensibilidade!!!!
    Pri

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